Mais uma folha de papel amassada rolou pelo chão. Quantas vezes tentei escrever a fatídica carta? Perdi a conta. Não conseguia escrever, não conseguia fazer algo que agradasse, afinal, como alguém poderia colocar um sentimento em palavras? A linguagem me limitava, estava preso e não poderia jamais explicar como sentia saudades, não poderia revelar tudo o que sentia em linhas e palavras frias. Nem com uma vida eu poderia conseguir chegar a expressar o que pretendia falar.
“Evelyn, tu foste como uma irmã, e a pessoa que mais me entendeu. Sem você me sinto tão sozinho, como se nada poderia substituir o calor de saber que eu compartilhava essa ligação espiritual contigo…”
– Não, não está certo, ainda não chegou lá. – Murmurei. E mais uma folha amassada rolou pelo chão.
Como poderia? Como poderia chegar a dizer tudo o que sentia? Queria poder expressar tantas coisas, queria poder responder suas cartas. Depois que nos separamos recebi muitas, mas enviei poucas, ou até mesmo nenhuma. E com o tempo suas cartas pararam de chegar. Eu queria enviar uma como as suas, poder a dizer tudo o que sentia, contar minha vida e os eventos que aconteceram nesse tempo que estavam separados. Mas como poderia? Nada era bom o suficiente…
O quarto onde estava era pequeno, de madeira. Era o sótão de minha casa. Ele rangia com o vento e estava frio agora no inverno, a única luz vinha de uma única vela ao lado da escrivaninha a qual estava na minha frente. Apesar disso, era o único lugar que poderia ter algum tipo de paz, tanto com outras pessoas, como também para com minha mente. Evelyn, você sabia muito bem como minha mente era confusa, era como se meu corpo fosse habitado por várias pessoas, cada uma lutando para ser ouvida, cada uma lutando para ser eu mesmo. Mas estranhamente no frio daquele pequeno cômodo, eu simplesmente era eu.
Mas mesmo estando com tanta certeza do que sentida, e do que queria dizer, eu não conseguia escrever uma carta. Não conseguia falar que queria aqueles dias dourados que passamos juntos de volta. Aquela época em que nos sentíamos tão inocentes e que o futuro era brilhante. Aquela época em que sonhávamos como duas crianças. Éramos assim, duas crianças cujos sentimentos tão inocentes as faziam sonhar. Amizade… Era realmente o sentimento que unia a alma de duas pessoas… Ah, como eu queria tudo aquilo de volta. Porque tínhamos que crescer? Mas a vida é assim, e com um sopro, tudo muda. Levam-nos aqueles que nos são importantes. Você foi assim, o vento te levou de mim… E eu não fiz nada para evitar.
O arrependimento crescia em meu peito. Eu não queria aparecer de cabeça baixa, não queria ter que remendar aquilo que foi quebrado. Queria construir algo novo. De nada adianta tentar reparar o que outrora foi. É preciso construir tudo de novo. E eu não sabia como te dizer isso, e muito menos como poderia fazer. Você confiaria em mim de novo? Eu não sabia a resposta, e tinha muito medo dela.
Suspirei e baixei a cabeça contra a mesa. A vela queimava calmamente ao meu lado. Crescemos não é mesmo? Como eu poderia te dizer tudo o que sinto? Não sabia… Um vento lentamente entrou pelas frestas do sótão, parecia que ele sabia justamente onde ir, pois a vela cambaleou, e então apagou. Escuro. Um leve crepúsculo pairou sobre aquele local, e então eu já sabia o que te escrever. Não era muito, não representava tudo aquilo que sentia, muito menos tudo o que queria dizer. Mas era puro, assim como uma vez nós fomos, e satisfeito com o que escrevi, sabia que estava pronto para finalmente te enviar a carta que continha uma única palavra:
“Saudades”.