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Archive for the ‘Tornando-se único’ Category

                Recentemente vi circulando na internet um texto que mostrava os estágios de uma pessoa para se tornar ateu. Um processo linear com passos muito bem definidos que mais pareciam uma escala, na qual “ser ateu” é o ponto mais elevado. Um roteiro de vida, que parece mais o tiro de um canhão, onde o ser humano disparado irá passar pelo mesmo caminho de muitos e o alvo: “ser Ateu”. Não vejo as coisas dessa forma. E, me apropriando das metáforas de Henri Bergson diria que a transformação da vida de um ser humano pode ser definida mais como a explosão de uma granada. Cheia de tendências e possibilidades, irá explodir para todos os lados, e cada novo fragmento irá se fragmentar ainda mais. Infinitas possibilidades. E assim como a teoria da evolução que os Ateístas tanto gostam, não existe como dizer se algo é mais “evoluído” que outro, ou que existe um processo de evolução linear.

                O problema disso tudo é que textos assim dão um caráter mais elevado a uma forma de crer, ou de “ser” do que outra. Quem disse que ser ateu é ser mais “evoluído” que um agnóstico? Ou até mesmo que um cristão? Só porque você começou cristão e terminou ateu não significa que esse caminho percorrido tenha te dado maiores méritos do quem permaneceu cristão. Mas a questão está mais embaixo, está na crença de grupo, na tentativa de aceitação perante os outros tentamos nos justificar, e assim nos elevar perante a sociedade.

                Imagine uma torta. Essa torta é finita e representaria a sociedade. Ela é deliciosa. Cada grupo ideológico tenta pegar um pedaço dessa torta para si. Os grupos não querem dividir, querem a maior quantidade para si. Então tentam ao máximo justificar-se perante eles mesmos, porque eles são melhores que os outros. E eles precisam justificar a si mesmos, porque no final, sempre ficará aquela ponta de dúvida de se o caminho escolhido será o certo.

                Dentro desta luta sem sentido pela maior fatia da torta, ela acaba se perdendo. Perde o real propósito. Ora, “sou melhor que os outros”, “eu estou certo” e coisas do tipo acabam cegando um diálogo verdadeiro onde todos poderiam dividir as coisas igualmente, e ao menos tentar se entender. Qualquer ideologia pode ser justificada com nomes bonitos. Mas não basta entender apenas os nomes e pequenas frases de efeito, é necessário entender a luta. No final, essas pessoas estavam tentando simplesmente serem elas mesmas, dar mais liberdade as pessoas. Deve ser triste ver um pensamento que pensava a liberdade criando um grupo ainda mais fechado.

                O que é difícil é deixar toda essa disputa de lado e ser simplesmente quem tu acha que deve ser, sem pressões sociais, sem uma necessidade de aceitação perante um grupo. Seja Cristão, seja Ateu, seja Feminista, vegetariano, gay ou qualquer coisa do tipo. É difícil ser sem a necessidade de se autoafirmação perante outros, ou uma provação pessoal. É difícil conseguir entender que as outras pessoas são diferentes e podem não concordar com o que tu acreditas, e mesmo assim aceitá-las. É difícil, mas as recompensas são muitas. Se “ser” ateu, religioso, agnóstico, vegetariano, socialista, etc. te mostra como é belo o mundo lá fora, ser “você mesmo” te mostra como é bela a pessoa que tu és.

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Introdução

 

  Estive estudando um autor muito fascinante nos últimos tempos. Seu nome é Carl Jung. Ele tem formação em psiquiatria, e foi o maior discípulo de Freud (apesar de que a grande obra de Jung começou depois do rompimento com Freud). Mas apesar de ele ser um psiquiatra, suas obras são muito mais estudadas por filósofos. Isso se deve ao fato de que as idéias de Jung são muito mais baseadas na filosofia, e tem um alto nível filosófico. Ele possuiu uma teoria sobre a construção do ser humano e da sociedade que é realmente fascinante. E mais do que isso, que possui validade científica.

  Com isso dito, o objetivo desta série de textos é trabalhar um dos conceitos principais de Jung, o de individuação. O tornar-se um indivíduo único.  E talvez mostrar que uma pessoa realmente pode ser um indivíduo único com suas próprias peculiaridades, com seus próprios desejos, e que se conhece muito mais do que normalmente podemos nos conhecer.

  Motivei-me a pensar sobre essa série (série, pois tudo de uma vez criaria um texto muito longo) depois de muita reflexão, depois de uma conversa ótima sobre “quem somos”, e também depois de ouvir pessoas falando que o ser humano perdeu seu potencial devido ao “sistema” ou a “sociedade capitalista”. Besteiras do tipo. A questão central aqui é entender o que é “ser único” e como podemos chegar a esse ponto.

 

Conversa com os leitores

 

  Antes de começar o texto propriamente dito quero dizer que estou escrevendo esta série de textos para você leitor. Esse texto é dedicado a todas as pessoas que leram o meu blog ou que virão a ler. Diferente dos meus últimos textos. Esse eu sei muito bem para quem eu escrevo. É para você! É para todos nós. E por isso seria muito legal poder ouvir a opinião de meus leitores a respeito desse assunto. Até porque assim saberei como desenvolver os próximos textos. Façam perguntas sobre o que não entenderem, ou simplesmente respondam as perguntas que deixarei. Ficarei muito contente em saber o que estão achando de tudo isso que escrevo.

 

O problema do sistema. O discurso da Alienação.

 

  O sistema social é sempre a culpa central de não podermos ser quem nós realmente somos. Afinal, é culpa da sociedade que esta é uma época difícil para sonhadores. Ou que esta seja uma época onde a produção de conhecimento está em decadência. Os seres humanos estão ficando cada vez mais burros. Nos prendemos em um sistema e não podemos mais ser livres como desejaríamos. Não podemos mais sermos nós mesmos. Não podemos mais fazer o que queremos. Temos que viver trabalhando em coisas que não gostamos. Logo, o ser humano está destinado a viver conforme padrões, e por isso se torna cada vez menos humano, menos ele mesmo.

  Este é um discurso amplamente aceito nas redes sociais. Afinal, por causa dessa “sociedade” não podemos sempre fazer o que desejamos. Só que a facilidade da aceitação desse discurso está mais embaixo. Esse discurso é aceito porque gostamos de nossa preguiça, gostamos de poder justificar nossas incapacidades em outras coisas. Em resumo, não gostamos de assumir a responsabilidade de nossas falhas. Não queremos aceitar o fato de que nossa vida é como é por nossa causa.

  Dois grandes teóricos trabalharam essa questão. Eles são Nietzsche e Sartre. A crítica desses dois autores se dá no âmbito em que somos plenamente livres. Não existem padrões éticos que valem para todas as pessoas. Ou até mesmo que deveriam limitar as ações dos homens.

  Já tratei desse assunto em minha crítica à ética religiosa nesse texto:  Se Deus não Existe então tudo é permitido

  Para Sartre o ser humano é plenamente livre. Porém ter consciência de nossa liberdade gera angustia. Angustia pelo fato de que não podemos fazer tudo o que desejamos com nossa liberdade, e além disso, angustia por saber que a responsabilidade é inteiramente nossa. E por causa disso acabamos mentindo para nós mesmos. Mentimos que o sistema (criado por nós) controla nossas vidas. Que não podemos mudar, que não podemos fazer nada senão batalhar e nos adaptar ao mundo. Mentimos para nós mesmos afirmando que somos limitados. E que a culpa da nossa limitação nos é externa.

  Para Sartre essa mentira pode ser entendida como má-fé. A má-fé que faz com que nos escondemos atrás de qualquer outra coisa. Afirmamos que a responsabilidade é da religião, da sociedade, de nossos pais. Mas jamais conduzimos nossas vidas por nós mesmos, com o que realmente desejamos e assumimos plena responsabilidade por nossos atos.

  Para tornarmo-nos humanos únicos em nós mesmos precisamos nos livrar da má-fé. Precisamos aceitar que somos plenamente livres e acatar todas as responsabilidades por nossos atos.  Sejam eles conscientes ou não. Devemos ser livres para escolher, agir, e ser. Já somos isso, mas será que podemos aceitar esse fardo?

  Para você leitor, a sociedade parece estar pronta para ser livre? Talvez sim, ou talvez não. Mas sobre tu mesmo? Tu está pronto para aceitar a liberdade que possuiu e assumir plenas responsabilidades por tua vida? Essa é uma resposta que somente tu pode dar, e não precisa falar para todos, apenas para si. Compreender a liberdade é o primeiro passo para se tornar verdadeiramente único. Para ser tornar tu mesmo.

 

Ser diferente não é ser único.

 

  O advento das redes sociais possibilitou uma maior rede de comunicação. Podíamos conversar com as pessoas e ver como elas estavam, e saber sobre a vida delas. Poderia ser um grande avanço para podermos finalmente nos conectar com o mundo. Mas o feitiço virou-se contra o feiticeiro, e as redes sociais passaram a exibir um outro lado de seus usuários.

  Através de uma rede social é possível analisar o movimento de diversas sub-sociedades (tribos). Como conversam, como se comportam. E mais do que isso, pessoas passaram a se expor mais. Colocam mais de si em um espaço público. E o que uma vez te fazia sentir-se único, passou a ser uma coisa comum. Afinal, pela internet é muito mais fácil achar pessoas que se comportam de forma parecida, tem os mesmos gostos e desgostos. E tudo isso acabou fazendo pessoas perderem seu senso de indivíduo. Tu já não podia saber o que te tornava único(a), pois haviam muitas pessoas que eram muito parecidas entre as outras.

  Partindo desse ponto, criou-se um desejo em “ser diferente”. Jovens buscando aquilo que os tornavam diferentes daquela multidão de pessoas. Aquilo que os fariam se destacar na multidão. Criou-se uma grande necessidade de “ser ouvido”. As pessoas precisavam ser notadas, e esse desejo de ser notado foi aumentando cada vez mais até o ponto de postarem fotos do que se estava comendo em redes sociais. Todos querem ter uma voz, todos querem que suas opiniões sejam ouvidas, e todos querem se destacar, querem ser percebidos. Ok, não todos, mas uma grande quantidade de pessoas, e praticamente todas as pessoas que são heavy users  de facebook e afins.

  Com esse desejo de ser diferente, as pessoas passaram a buscar gostos diferentes dessa multidão de pessoas, gostos que as fizessem sentirem diferentes, especiais, e pertencentes a uma “elite”. E ai surgiram novos sub-grupos, e outros tornaram-se mais sólidos. Temos os otakus, roqueiros, from england, pseudo-cults, ateus, fãs de Pink Floyd… E todos procuram acreditar que seu gosto é o que os torna muito diferentes de uma multidão de pessoas que caminham pelas vias reais e virtuais todos os dias.

  Mas a verdade é que ser de um desses grupos, e compartilhar esses gostos não torna uma pessoa única, muito menos diferente. Um exemplo pode ser o fã de Pink Floyd que se acha único por gostar dessa banda incrível (sim, eu os adoro) mas que “ninguém mais gosta”, ou que seus fãs são muito raros. Só que Pink Floyd é conhecida como uma das banda de rock mais famosas de todos os tempos (junto com Bettles e afins), o Dark Side of the moon, foi e é um dos álbuns mais vendidos de todos os tempos. Muitas das grandes bandas se espelham em diversos momentos da carreira deles para compor novas músicas. A própria madona possui influências de Pink Floyd em algumas de suas músicas. E vocês ainda acham que ser fã de Pink Floyd os destaca da multidão? Sejamos sinceros, chute uma pedra virtual na internet que tu irá achar outros 5 fãs deles.

  Nota mental:  Eu usei os fãs de Pink Floyd, mas o exemplo deles pode ser utilizado para qualquer gosto. Seja ele de animes, de coisas britânicas. Coisas de Hipsters e tantos outros. Pela internet é muito fácil achar um grupo de pessoas com algum tipo de gosto peculiar ou que gostam de alguma coisa.

  A realidade é difícil. Mas se tu enquadrar quaisquer atitudes, quaisquer formas de se vestir, falar ou se comportar, e achar que elas te fazem diferente, que te destacam, tu está errado. Em todo o tipo de comportamento haverá pelo menos um grupo que também tem esse mesmo comportamento. O diferente é só mais uma convenção social. Mas esses diferentes são só mais um na multidão que procura tal diferencial. De tanto que tentam se tornar diferentes, acabam ficando iguais a todos os outros.

  Como lidar? Não querendo ser diferente. Não querendo ter uma voz. Mas sim querendo ser a “si-mesmo”. E não ter a necessidade de se mostrar para todas as outras pessoas. A questão é: Pessoas estão preparadas para simplesmente serem, e não querer mostrar quem são?

  

Como tornar-se único?

  

  O ser único é algo além, é sutil e é inteiramente individual. É o processo de compreender a si mesmo, e de compreender muitos dos seus desejos. Ser único não está nas grandes atitudes, mas sim nos pequenos detalhes e peculiaridades que jamais poderão ser transformados em palavras. Mais do que isso, é o propósito dessa série de textos. É mostrar como que uma pessoa se torna ela mesma. Como se dão todos esses processos dentro da filosofia, e da psicologia. Aliar-me-ei em Carl Jung, Epicuro, Kant e diversos outros autores.

  Vocês terão aqui, queridos leitores, uma obra de coração. Um presente para vocês, uma compilação de muitos de meus estudos, e meus sinceros desejos que lendo e refletindo sobre o que escrevo os possa tornar além de únicos, um pouco mais felizes.

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